(De coisas que escrevi no Facebook me colocando como quadrinista)
Se cartunistas morreram é como se colegas meus tivessem sido mortos, e é
gesto bonito que muitos tenham feito cartuns em resposta ao fato.
Contudo, minha opinião sincera é que não gostei da maioria do que foi
desenhado, principalmente daqueles que colocaram pessoas com traços
muçulmanos de um lado e artistas do outro, ou armas de um lado e lápis
do outro. A bronca é principalmente em relação aos primeiros, pois
acabei de saber que locais e símbolos
religiosos muçulmanos foram depredados, e essa é uma reação irracional e
que tem uma direção política, a dos xenofóbicos. "Ora, mas eu só fiz um
cartum, não é essa a reação que quis estimular", espero não ouvir isso
de cartunistas, e muito menos com a cara de que não estão levando a si
mesmos (e seus trabalhos) a sério. (Até porque embora cartunistas e
quadrinistas achem que é muita pretensão achar que arte muda o mundo, a
arte muda o mundo sim, piada não é só piada, e etc, bem, mas deixemos
esse debate de dentro da profissão para outra hora.)
Cartum é uma
ideia, mas atenção: ideia simplifica e óbvia são diferentes. Nesse
sentido, parabenizo o Latuff pelo cartum dos terroristas metralhando o
jornal e os tiros atravessam e atingem uma mesquita. é simples, mas faz
refletir. (uma coisa ruim de trabalhar com cartuns é que sempre vai
aparecer alguém que vai dizer arrogantemente que já tinha pensado o que
você desenhou, e que expressou por escrito, como se fazer por escrito
por si só fosse um meio mais nobre, mais adulto! Ora, mas é mais fácil
digitar do que desenhar!)
Bem, peço aos cartunistas que fiquem
alertas, É um momento perigoso, setores políticos oportunistas estão se
aproveitando para falar de suas ideias, tal como a Marine Le Pen, figura
da extrema-direita francesa que fala em pena de morte.
Cartunistas
retratam a realidade de uma maneira simplificada, mas têm de tomar
cuidado para que isso não alimente a noção do que é o "óbvio" para os
xenofóbicos.
Vendo a conjuntura (reações políticas e sociais),
aparentemente a realidade é complexa, o realidade complexa não é um bom
material para os cartunistas trabalharem em cima, pois o óbvio lhe
escapa, por isso talvez seja prudente também ter a paciência e ver no
que vai dar.
Notas (facebook):
1- Não deve estar sendo nada fácil para Marjane Satrapi, autora de
Persépolis (HQ que virou Fime), iraniana que estudou na Universidade
Islâmica Azad, atualmente vive em PARIS. Não duvido que ao invés de
darem pesares pela morte de colegas da mesma profissão, até agridam ela!
2 - Eu não trabalharia na Charlie, ou se eu trabalhasse seria apenas
para ganhar uns trocos, que realmente não curto nem acho justificável
argumentos tipo "ah, os islâmicos eram zoados, mas os católicos e todos os outros também".
3- Tipo, se fosse os extintos Pasquim ou Paquim21, ainda daria mais
orgulho, Pasquim principalmente, por causa da história (Glauber Rocha,
Henfil, etc), um pouco menos Pasquim21 (Jaguar e Ziraldo em Pasquim21 faziam umas
piadas que em quase nada diferiam daquelas da grande mídia). Em suma,
Pasquim > Pasquim21 > Charlie
4- Opa, não que eu esteja posar
de artista que escolhe onde publicar (pois só consegui publicar em 1
lugar, a Mad), mas como disse publicaria na Charlie apenas por uns
trocos, não por concordar com a linha editorial.
5- Isso de "Somos
todos Charlie", alguns dizem que é por causa das vítimas, outros
complementam que é porque Charlie era de esquerda (desconhecia a
publicação, então não posso confirmar), mas de qualquer forma, nunca
concordei com essas campanhas "somos todos" nem "apoio incondicional"
6- Por exemplo, acho que o movimento feminista acertou quando não fez
uma campanha "somos todas Geisi Arruda", se tivesse feito, estariam
apoiando a Geisi em tudo, dando apoio incondicional quando ela foi para A
Fazenda, etc. Ficaria muito esquisito para o movimento.
Links:
(imagem acima do The Gardian)
Joe Sacco também se posicionou e questiona os limites da sátira em Opera Mundi
Ótima análise em Descurvo.
EXTRA:
Tava pensando a voltar a fazer quadrinhos em 2015, mas não imaginava que
seria "empurrado" a voltar (senti quase obrigação de me posicionar).